A despeito da capacidade que a água, em estado revoltoso, tem de destruir o mundo, todo o elogio que a ela se faça sempre será pouco e injusto. Com efeito, seu potencial devastador é correlato ao potencial que tem ser de ser idolatrada. Essa percepção me faz hipotetizar que a água desperta em nós o mesmo sentimento que o próprio Deus para um cristão: reverência, temor e amor.
Moro ao lado de um rio de Uberlândia-MG, o rio Uberabinha. Em uma das paredes dos pontilhões presentes no calçadão que margeia o rio, vemos a seguinte inscrição: "Água, a essência da vida". Sábias palavras, e sequer precisamos considerar o quanto existe em nossa composição corporal de água. Para além desse fato inconteste, a água metaforiza a própria vida: fluida sem nunca ser a mesma; misteriosa e passível de reverência, temor e amor.
Nesse ano, nós, os brasileiros, aprendemos mais uma vez, e sob a força instrutiva da mestra água, o quão facilmente podemos recair em extremos nefastos: após um período trágico de nossa história, em que o exagerado volume de água destruiu vidas e o Rio Grande do Sul, vivenciamos um outro período trágico, em que o problema pendeu para o outro lado da balança: a seca que acomete grande parte do país (especialmente essa região central) e que vem associada a fumaças, a ventos de poeira e, destarte, a um ar tão tóxico. Todos os anos sofremos, nessa região central do país, com meses e mais meses sem chuvas.
Estou me recuperando (eu espero!) de uma dura pneumonia. Mal consigo dormir por conta dos meus acessos noturnos de tosse. Sofro de dores nas costas, respiração chiada, e sou o atual proprietário de uma farmácia ambulante. Perdi aulas (como professor e aluno), prova, apresentação de trabalho, processo seletivo. Deixei de poder andar livremente e me exercitar, e precisei me internar em casa. Uma lástima. Não tenho dúvidas de que minha doença é consequência absoluta desse ar seco e impuro que venho respirando há meses.
Agora de manhã, por volta de 5h30min, houve, aqui no meu bairro, uma pequena chuva. Discreta e silenciosa, trouxe um pouco de ar puro aos meus sofridos pulmões e vias áreas superiores. A cada precipitação pluviométrica, busco, qual um mendicante, umidificar um pouco o corpo a que parece faltar o que é essencial à vida, a água.
Como sou repleto de paradoxos, posso dizer que o prazer que senti no dia de hoje foi similar ao que senti no dia 24 de Agosto de 2024, quando, ao sair de um ambiente fechado, deparei-me com uma névoa que, inadvertidamente, confundi com o prenúncio de chuvas. Essa névoa, na verdade, era uma nuvem de fumaça e fuligem, vinda de São Paulo e que chegou, até onde sei, a Goiás. Não fui o único que confundiu a fumaça com uma névoa pluviométrica. Respirei-a à vontade e com gosto, sem perceber que meu prazer vinha do censurável prazer que tenho de inalar fumaça proveniente do fogo (até certo nível, é claro). Percebi que o que na verdade eu respirava era fumaça e fuligem quando, em meio a uma das maiores avenidas de Uberlândia, percebi que a espessura da fumaça não correspondia às névoas que anunciam as chuvas.
Desde antes desse dia 24 de agosto para cá, estamos imersos em meio a um clima absolutamente inóspito. Essa data foi apenas uma 'virada de chave' para um nível ainda pior. A terra por aqui arde e queima, e nossas gargantas e pulmões talvez sejam relativamente similares a de um tabagista. A terra arde e queima, e tudo o que podemos pedir é que as águas venham livres e fluídas do céu. Nossos rios e plantações precisam de água. Nossos pulmões e vias áreas superiores também...
Nada tenho a dizer sobre as pessoas que contribuíram para as queimadas. Espero que a justiça seja feita, mas principalmente que a natureza possa se recompor dos ataques criminosos do homem.