O dia 21 de setembro é muito importante. É o dia da conscientização sobre a doença de Alzheimer, é o dia nacional da luta da pessoa com deficiência, é o dia da árvore, é o dia mundial da limpeza de rios e praias, e é o dia internacional da paz das nações unidas. Para quem é católico, é o dia em que se celebra um dos evangelistas e apóstolos, São Mateus. É também o último dia do inverno; é o dia em que se anuncia a primavera.
É também o dia em que completo 8 (oito) anos sem fumar. No dia 21 de Setembro de 2016, passei de 30 cigarros/dia para a abstenção total de fumo, em um percurso que, até hoje, tem transcorrido sem recaídas. De 24 horas em 24 horas, completo, hoje, 2922 dias sem fumar.
Mas o que realmente eu comemoro hoje são os meus 2 (dois) anos de sobriedade, os meus dois anos sem o álcool. Há 2 (dois) anos, bebi pela última vez. Quis o destino que eu tenha largado esses dois vícios tão poderosos no mesmo dia do ano, com um intervalo de 6 anos entre um e outro.
Gostaria de poder me presentear com um texto bonito sobre esse dia tão especial, mas estou completamente sem inspiração. Tenho trabalhado e estudado muito, estando, nesse momento, com a cabeça completamente dirigida para a redação de textos acadêmicos. É uma pena. O dia de hoje foi muito esperado. Eu deveria estar comemorando, mas, além dessa falta de inspiração, estou meio adoentado da garganta.
Há exatos 2 (dois) anos, chegava ao fundo do (meu) poço. Não cheguei a perder casa, família, emprego e dignidade. Foi difícil, por isso mesmo, assumir que estava no fundo do (meu) poço. Na tarefa de reconhecer minha impotência perante o álcool e de reconhecer que havia perdido o controle sobre a minha vida, precisei romper com uma concepção idealizada de fundo de poço segundo a qual só se chega a esse lugar quem matou ou quase matou alguém, ou ainda quem perdeu casa, família, emprego e dignidade. Entre aqueles que caminham comigo em busca da sobriedade diária, muitos foram aqueles que conheceram todas as facetas possíveis do inferno. Eu conheci algumas.
Há 2 (dois) anos, bebia todos os dias, em dois turnos: de manhã e à noite. Nenhum remédio me fazia deixar de beber. A propósito, nada me fazia deixar de beber, nem a falta de dinheiro, se havia crédito e possibilidade de endividamento. Conheci alguns dos dissabores do alcoolista, e deles não tenho vergonha. Posso até sofrer nas rememorações do que passei, mas não tenho vergonha. Disseram-me que sou corajoso: sim, sou. Mas não tenho motivos para me envergonhar de uma doença cujas raízes não são morais. Antes, tenho orgulho por superar meus dissabores e minha doença. Tenho orgulho por poder ajudar uma ou outra pessoa que, sabendo da minha doença, me procura. A essas pessoas, aplico o princípio do qual fui e continuo sendo beneficiário: “Eu sou Responsável… quando qualquer um, seja onde for, estender a mão pedindo ajuda, quero que a mão de A.A. esteja ali. E por isto: eu sou responsável”. Bill W, um dos fundadores de A.A. disse: “Sei que meus erros de ontem ainda têm repercussões, e meus erros de hoje podem igualmente afetar nosso futuro. Assim acontece com todos e cada um de nós. Nossa próxima responsabilidade será a de apadrinhar, de maneira inteligente e carinhosa, cada homem e cada mulher que recorra a nós em busca de ajuda. O empenho e o amor com que nos dispormos a realizar essa tarefa, individual ou coletivamente, terão importância decisiva”
Continuo tentando encontrar todos os sentidos escondidos na vida abstêmia. Hoje consigo assumir os motivos pelos quais não me interessa certos lugares, pessoas, ocasiões e eventos: com efeito, encontrei a falta de sentido da vida no álcool, e essa foi sem dúvida uma das minhas maiores conquistas. Hoje eu sei quais são meus sentimentos e tenho a sensação de ver a vida, a mim e ao sentido da minha existência com muito mais clareza. Ganhei em serenidade, sabedoria e discernimento. Mas não é fácil. Esse crescimento se sustenta na dor, no desamparo encarado de frente e sem anestesia. Sou feliz por ter tido, nos últimos tempos, projetos que me têm trazido muita alegria e investimento libidinal. A vida sem o álcool é um estilo de vida. Irreversível. O que desejo para mim são mais 24 horas de serena sobriedade.