TOULOUSE-LAUTREC, Henri de In the Café: The Guest and the Anaemic Cashier 1898 Oil on cardboard, 82 x 60 cm Kunsthaus, Zurich |
03 e 04 de Julho de 2024
É escusado afirmar a relevância do papel desempenhado pela linguagem na ‘relação que estabelecemos’ com os nossos próprios afetos. Talvez seja profícuo indagar o quão relevante e promissor seja esse papel. Com efeito, é apenas por intermédio dos recursos fornecidos pela linguagem que constituímos e transmitimos os princípios da psicologia popular, e é apenas quando nos tornamos capacitados a formular uma ciência mínima e incipiente da mente que chegamos ao nível de poder dizer algo sobre nossos comportamentos e/ou sobre a vivência dos nossos sentimentos. É preciso que saibamos nomear os afetos e sentimentos prazerosos, e aqueles produzem dor e desconforto. É preciso que consigamos relacionar afetos a sensações e dimensões físicas para salvaguardar a eficácia na transmissão dos signos. Não seria disparatado conceber que a maior parte dos afetos e sentimentos desprazerosos se tornam tanto mais perigosos ou dolorosos quanto maior é a nossa inabilidade de sobre eles falar. Como lidar com o inominável? Como frear a força possivelmente destrutiva do inefável?
Uma dessas sensações perigosas, e sobre a qual a linguagem possui muitas limitações, é a que chamamos de angústia. Não estou certo de possuirmos uma ciência ou uma psicologia popular suficientemente embasada com base na qual consigamos enunciar proposições universalizáveis sobre a angústia. Será que realmente sabemos o que é angústia, seja a que acessamos em nível vivencial, e que acreditamos nos acometer, seja a que acessamos pela observação ou conceitualmente, do ponto de vista da terceira pessoa? Será a angústia a sensação que se expressa sob a forma de uma pressão em nosso tórax, e que às vezes irradia sob a forma de uma pressão (ou de um nó) em direção à garganta e ao rosto? Que sensação é essa que se expressa sob a forma de não estar bem em lugar algum? Será a angústia a sensação que, em maior ou em menor nível, flerta com a sensação de que a vida é ou está insuportável? Serão essas duas sensações uma e a mesma sensação ou não? Será a angústia um componente da depressão? Por que será que esse sentimento, seja a angústia ou não, se afasta e se reaproxima de quem dele padece, não raro a seu bel-prazer? Por que nossa linguagem precisa recorrer a sensações e a metáforas corporais para se referir a uma sensação tão central no modo como lidamos com a realidade?
Viver é muito difícil. Viver é perigoso. Não dominamos os sentimentos que transitam em nosso interior, os estados que vem e vão, com frequência de maneira aleatória, e também com regularidade interpondo-se entre nós e uma visão colorida do mundo. Pode ser que passemos longos períodos sob o confortável signo da normopatia, entretidos com as exigências do mundo circundante, hiperadaptados, nesse mesmo sentido, à realidade externa. Pode ser, por outro lado, que esse difuso sentimento ao qual chamamos de angústia (talvez por falta de expressão melhor) nos invada e inunde nosso mundo psíquico com toda sua força, tornando-se, naquele momento, ‘o todo de nossa vida’. Sob o impacto de uma intrusão da angústia, a morte pode vir a se tornar o único recurso possível para anestesiar uma dor que não consegue ser anestesiada por outros meios. Quando me sinto impelido a defender, com Albert Camus, que problema filosófico por excelência é o suicídio, estou certo de que é possível oferecer uma resposta que aspire à universalidade e de que é possível oferecer uma resposta mediada por meus estados emocionais. Nem sempre as receitas tradicionais são minimamente eficazes para lidarmos com o vazio de uma vida cujo sentido não é preenchido por nosso engajamento cotidiano com a sobrevivência. Não é trivial responder à pergunta: por que estar vivo ao invés de se entregar aos braços do sono profundo e sem sonhos? Será a morte tão doce quanto o sono tranquilo de uma noite sem interrupções? Por que e para que estar vivo?